É bom ser fã de escritores. Meu irmão é fã de muitas cantoras, e as segue em várias redes sociais. Quase todas usam a internet apenas para divulgar turnês, e quando escrevem algo maior normalmente é sem graça e feito por assessores. Os sites pessoais servem só para confirmar datas e locais de shows. Já os escritores ganham a vida escrevendo. Colocam suas opiniões no papel. Nem todos tem sites e redes sociais, mas os que tem que eu conheço interagem bastante com os fãs e são bem prolíficos. Participam de podcasts e entrevistas. E dentre estes o Gaiman é um dos mais ativos. Tem um blog, um twitter e um tumblr que atualiza com frequência. E nem lembro em qual deles que ele soltou a notícia que teria livros novos lançados este ano. Mas desde que ela saiu os fãs ficaram empolgados.
Neil Gaiman não se prende a uma mídia só. Ele escreveu quadrinhos, livros, séries de TV, músicas… Isto é bom porque sempre o vemos em um lugar diferente. Mas também significa que sua produção é dividida entre mídias. Seu último livro não voltado para crianças é Os Filhos de Anansi, de 2005. E as novidades saíram a conta-gotas, até o momento em que ele liberou os três primeiros capítulos no ebook gratuito How to Talk to Girls at Parties. A partir daí foi uma difícil espera até dia 18, quando foi finalmente lançado.
A história é a seguinte: um homem sai do velório do seu pai e fica vagando de carro. Ele passa pela casa onde cresceu, e decide ir por uma estrada de chão até uma antiga fazenda. Lá ele se encontra com a velhinha proprietária da fazenda, senta em frente a uma lagoa e começa a lembrar de acontecimentos estranhos da sua infância, que começaram com um suicídio de um inquilino e tem relação íntima com uma família de três mulheres de sobrenome Hempstock que moravam na fazenda.
O livro só tem 192 páginas na versão capa dura, e o fato de ser tão pequeno assusta. Ele começou como uma história curta, que precisava cada vez de mais espaço. Mas nunca abandonou suas raízes, e terminou com um tamanho estranho: parece grande demais para um conto, mas é pequeno comparada com a maioria dos romances. É uma história bem direta e intensa, que não dá tempo ao leitor para respirar. Isto sem usar de ação desenfreada, apenas com uma construção de cenários e pensamentos magnífica.
Gaiman tem uma escrita mágica. Ele tem o dom raro de ver, não apenas olhar, e transforma sua visão em palavras com maestria. E é este dom que o permite escrever tão bem histórias que lidem com a fronteira tênue entre a realidade e a fantasia, e que se encaixa como uma luva no seu personagem criança. O protagonista tem profundidade e credibilidade quando criança, e a riqueza de sensações e emoções dá o tom necessário de nostalgia e perda que estas histórias precisam.
Embora o autor seja sinônimo de grandes vendas seus fãs sofrem no Brasil. A qualidade técnica do material sempre é boa, mas são caros e de baixa tiragem. Se esgotam rápido e aí passam a custar uma fortuna. Já houve épocas em que Deuses Americanos custava mais de 300 reais. E o salário mínimo era menos de R$500,00. Agora não apenas The Ocean at the End of the Lane foi lançado simultaneamente com o Brasil pela Editora Intrínseca (!) como também é mais barato aqui (!!) e foi lançado como ebook também (!!!). Eu ganhei a edição física nacional da minha namorada, que já foi enviada mas ainda não chegou. Como não consegui aguentar a espera comprei o ebook do livro em inglês (minha conta do Kindle é americana), que foi o que comecei a ler no dia do lançamento Acredito que a tradução esteja boa, e vou reler em português assim que o tiver em mãos.
E para os fãs do escritor: repararam que Hempstock é o sobrenome da Daisy de Stardust e da bruxa Liza dO Livro do Cemitério? Parecem que o Gaiman quer integrar seus livros aos poucos, com detalhes, assim como ele fez com Os Filhos de Anansi e Deuses Americanos. Com a continuação de Deuses Americanos sendo escrita é de se esperar mais referências cruzadas. E enquanto ele não sai O Oceano no Fim do Caminho é uma excelente adição à estante. Belo, profundo e contemplativo como o oceano.